quarta-feira, 20 de abril de 2011

Hoje eu chorei e não foi pouco

A primeira coisa que eu vi quando abri os olhos foi a minha pilha de livros que eu usei além daquele calmante como sonífero espalhados: eram cinco da manhã e eu já sabia que não iria dormir mais.
Meu sono é interrompido de duas em duas horas por um pânico horrível que paralisa meus órgãos e só deixa viva a bile que toma todo o meu corpo e me faz querer vomitar até virar do avesso.
Eu arregalo os olhos para o teto, fecho minhas mãos com uma força que quase faz com que minhas unhas cortem minhas palmas e deixo a onda da dor vir, ela me sacode inteira e me faz sentir algo como a sensação do descolamento completo e interno da minha pele.
Abro as janelas porque preciso de ar, mas nunca tem ar para meu pulmão afogado. Visualizo em pensamento um santo e peço a ele: você já morreu por amor, não deixe acontecer o mesmo comigo.
Amar dói tanto que você volta a lembrar que existe algo maior, você se lembra de Deus, você se lembra de vida após a morte. Amar dói tanto que você fica humilde e olha de verdade para o mundo, mas ao mesmo tempo fica gigante e sente a dor da humanidade inteira. Amar dói tanto que não dói mais, como toda dor que de tão insuportável produz anestesia própria.
Você apela pra todo mundo, pra cartomante, pra tarólogo, astrólogo, psicólogo, numerólogo, amigo e apela até pra inimigo. Qualquer um, pelo amor de Deus, tire essa dor de mim.
Não adianta, não vou dormir mais. Mas vou fazer o que então? Minha cama me lembra você, minha janela me lembra você, beber água me lembra você, viver me lembra você.
Vou me levantar agora e ir para onde? Tomar banho? Tomar café? Não tenho nenhuma vontade de existência, seja de vaidade ou gula. Só quero ficar deitada, mas ficar deitada também dói. O mundo não tem posição confortável pra mim, aonde vou, essa droga de dor horrível vai junto. A Tati disse mais uma coisa muito inteligente e eu faço minhas as palavras dela: “Chorar não adianta, eu seco de tanto chorar e não passa. Ver TV, falar ao telefone, dançar, gritar, escrever, abraçar minha mãe, tomar suco de manga… nada adianta.
Eu sei, eu sei, o eterno clichê “isso passa”. Passa sim e, quando passar, algo muito mais triste vai acontecer: eu não vou mais te amar.
É triste saber que um dia vou ver você passar e não sentir cada milímetro do meu corpo arder e enjoar. É triste saber que um dia vou ouvir sua voz ou olhar seu rosto e o resto do mundo não vai desaparecer. O fim do amor é ainda mais triste do que o nosso fim.
Meu amor está cansado, surrado, ele quer me deixar para renascer depois, lindo e puro, em outro canto.”- mas eu não quero outro canto, eu ainda quero insistir no nosso canto.
Eu me agarro à beiradinha do meu amor, eu imploro pra que ele fique, ainda que doa mais do que cabe em mim, eu imploro pra que pelo menos esse amor que eu sinto por você não me deixe, pelo menos ele, ainda que insuportável, não desista.
Minha sobrinha pede um desenho, aí eu choro porque você é que adorava fazer desenho pra ela. Está sol, e eu choro porque você ficava feliz com o sol e você feliz era tão perfeito que eu tinha medo. Aí eu vou escovar meus dentes e choro porque você também usava minha escova, depois eu faço xixi e choro porque a gente fazia xixi conversando. Eu abro o guarda-roupas e choro porque eu não quero ficar bonita, eu não quero dar a volta por cima, eu não quero ficar bem pra você ver que eu estou bem e quem sabe ter saudades. Choro porque acho ridículo os jogos da vida, qualquer coisa é ridícula perto desse amor que é tão simples e óbvio.
Quando finalmente eu consigo me esgueirar em meio a esse rio de lágrimas, eu choro porque o caminhão do gás que sempre passa na rua da minha mãe passou e aquela musiquinha idiota, mais algumas crianças berrando aqui na frente e mais dois passarinhos cantando na porcaria da janela me lembram que a rotina, a alegria e a pureza ainda existem, apesar de você não estar mais aqui.
Nada, nada aconteceu para o mundo. E eu me sinto minúscula e sozinha por não ter a cumplicidade da vida lá fora, por não ter um minuto de silêncio pela nossa morte, por ter que sentir tudo isso sozinha, entre escovas de dentes, xixis e roupas dobradinhas e cheirosas.
Faço a minha yoga do dia sem nada dentro de mim a não ser um monstro parasita que se alimenta do meu desespero, tô sem nenhum farelo de comida. Meu lado da frente está quase colando ao de trás, talvez na falta de você eu precise mesmo me juntar mais a mim mesma. Meu apartamento está lá, meu quarto está lá, meu colchão na sala por falta de sofá, as pessoas estão lá, as histórias e as risadas também estão lá. Até o porteiro velhinho que se acha o meu amigo está lá. Está tudo lá, mas você, mais uma vez, não está aqui.
Vou para o banheiro e choro, que novidade! Mas dessa vez porque me olho no espelho, e isso também me lembra você. Eu era sua, a sua menina, a sua criança, a sua mulher, a sua escritora predileta, a sua parceira de dar risada de programas de tv, a sua namorada sensível que tinha medo de vomitar e de amar demais, assim como você. A sua melhor amiga pra sentar num banco de shopping e falar mal de todo mundo, pra perder a hora de manhã e ainda por cima pra cuidar do nosso pônei de pelúcia. Eu era a mulher que encaixava a cabeça no seu peito e sabia que tinha nascido a partir de você, eu era a mulher que esperava sofridamente você voltar mas nunca deixou de te amar mesmo quando você ia.
Eu sei que agora eu preciso ser minha, inclusive pra quem sabe um dia me permitir de novo ser sua, mas eu não deixo de olhar para o espelho e ver uma metade de gente, uma metade de sonho, de sexo, de alegria e de futuro. Que se dane a auto-ajuda, que se fodam os livros com gente realizada e que se foda a psicologia: eu sou mesmo metade sem você. E agora?

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